sexta-feira

O Plágio de Ribeirinho Leal

Os Ratinhos
À medida que a planície vinha perdendo, pouco a pouco, o seu viço primaveril, aproximava-se a época das ceifas, trabalho pesado, sem dúvida, principalmente à inclemência do astro-rei, dardejando contínua a brutalmente com raios ameaçadores, os corpos afogueados dos pobres ceifeiros.
Para esta dura faina, vinham sempre «OS RATINHOS», homens das beiras, rijos de corpo e alma, que para o Alentejo se deslocavam com o intuito de ganhar algum dinheiro para melhor sustento do lar, já que as suas terras de origem eram, em regra, avaras em lhes conceder um mínimo de meios materiais, indispensáveis à sobrevivência.
Vinham alegres, formando grupos enormes, que engrossavam pelo caminho, com os seus carros típicos e os inseparáveis burros, para carregarem a «copa» e algum estropiado. Eram superiormente dirigidos pelos «manageiros».
Alheios a tudo o que os rodeava, com pensamento nas leiras e nas famílias que por lá deixavam, os «Ratinhos» logo que chegavam ao «monte» iniciavam os preparativos para a batalha de que tinham que ser heróis.
Descarregavam o «ourêlo» da lâmina da foice, examinavam os «safões», o «peitoral» e as «braçadeiras» de pele de cabra; outros sentados no chão, desentrapavam os pés de «borregas» e calos, muito sujos pela grande caminhada.
Ao anoitecer, na cozinha dos «ganhões», comiam a «ceia» que constava de um «capacho», e que era servida num grande «alguidar» vidrado ou em característicos pratos de barro que, no final da temporada, por cá vendiam ou trocavam por tecidos e panos, pelo que, a estes objectos hoje apenas decorativos, se dá o nome de «Pratos Ratinhos» ou «Troca Trapos».
Durante as longas semanas da ceifa, eram exímios, incansáveis e destemidos trabalhadores.
No dia do «acabamento», era como se todos endoidecessem.
«Muitos rezavam fervorosamente, de foice no braço e chapéu a esconder as mãos postas, com o espírito lá longe, na casinha humilde, na mulher e nos filhos.
Tinha chegado a hora da partida.
De lenços bordados ao pescoço – recordação das saudosas namoradas, pau ao ombro, donde pendiam mantas e mais «copa», foices e cabaças a tiracolo, eles lá iam, envoltos em pó cor de fumo, quais aves migratórias, outra vez na sua rota».

João Ribeirinho Leal, ‘MOTIVOS ALENTEJANOS’
Capítulo "Os Ratinhos»", páginas 69 e 70

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.